Ingrid Macedo
O povo Pataxó do extremo sul baiano tem a história de seu território marcada por invasões e esbulhos, além do apagamento forçado e violento da existência e pertencimento étnico dos nativos. Relatos históricos produzidos por antropólogos e/ou encontrados em documentos governamentais declaravam o povo como extinto ou de presença mínima. Lutando contra o genocídio em diferentes frontes, os Pataxós muitas vezes se viram acuados e obrigados a fugirem de suas terras para se protegerem. A sobrevivência e continuidade das comunidades indígenas ao longo das matas e no litoral do extremo sul é fruto de lutas coletivas, cada vez mais organizadas com o objetivo de resistir ao apagamento, aos ataques contra os seus direitos e aos crimes contra a suas vidas. Ali onde o modelo econômico e as políticas governamentais empurravam as populações originárias à margem e tiravam a possibilidade de uma vida digna, a reação contra as opressões nunca faltou.
E hoje trazemos aqui um dos frutos desse processo histórico de resistência: um documentário produzido por mulheres pertencentes à aldeia Tibá (localizada na vila de Cumuruxatiba, distrito de Prado - BA) que tem como tema central os cantos e relatos do cacique Zé Fragoso, de nome indígena Jitaí Pataxó.
Os mais velhos são considerados pelas suas comunidades como “livros” da história de seu povo, pois as suas memórias e experiências são os relatos mais fiéis sobre o território que podem ser encontrados. De fato, a história de um povo indígena quando retratada nos livros escolares, em produções acadêmicas ou veículos midiáticos, geralmente carrega o ponto de vista do outro: do colonizador, do não-indígena, do Estado que se instalava e via a presença indígena como uma ameaça aos interesses nacionais...
Por outro lado, neste documentário podemos testemunhar o protagonismo indígena: um ancião da comunidade compartilha um pouco da sua cultura e visão de mundo, falando da história de sua família e de sua aldeia. Citando, inclusive, episódios marcantes de violência ocorridos no território, como o Fogo de 51 (ataque efetuado à um aldeamento pela polícia baiana em 1951, causando a dispersão dos indígenas pelo território e em outros estados) e a criação do Parque Nacional do Monte Pascoal (1961), a delimitação de uma zona de preservação ocasionou na expulsão dos indígenas da região tradicionalmente ocupada.
“AWÊ - Cantos e Contos do Cacique Zé Fragoso” é um documentário que reúne as composições e as histórias das músicas deste mestre e de seu respectivo Território Indígena Comexatibá. Cacique da Aldeia Tibá, este mestre de saberes pataxó é um grande artista, poeta, historiador de sua aldeia e sempre teve o sonho de registrar suas criações e agora isto se tornou possível com o apoio Financeiro do Prêmio Cultura na Palma da Mão. Nesta produção audiovisual com duração de 30 minutos, o público tem a oportunidade de assistir a performance das canções e também os “causos” que as acompanham. A partir de uma série de histórias, Fragoso perpassa memórias do território e de seu povo, como as referências à Luciana Zabelê, sua mãe e grande liderança Pataxó, e pauta questões contemporâneas como a vacinação Anti-Covid e a tese do marco temporal. O documentário é assinado por sua filha, Márcia Ferreira e sua neta Ane Pataxó, realizadoras que protagonizam a produção. O trabalho conta com o apoio institucional do projeto de extensão LIVRO-LUGAR, do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA e do Centro de Estudos sobre Povos Indígenas e Populações Tradicionais (CEPITI) da UNEB.
Com lançamento virtual feito em 26 de fevereiro de 2022, além de representar uma conquista para o povo Pataxó e um fortalecimentos de seus territórios e tradições, a produção pretende ser multiplicada em diversas escolas indígenas no Estado da Bahia e escolas não-indígenas, uma vez que o material atende às exigências da Lei nº 11.465/08. Pretende-se também o figurar em festivais e outros meios de divulgação para projetar os cantos e contos do awê tão únicos e singulares do mestre Zé Fragoso.
O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura (Prêmio Cultura na Palma da Mão/PABB) via Lei Aldir Blanc, redirecionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.
O documentário está disponível no canal do Youtube Kijemi da Zabelê:
Ingrid Macedo, de nome indígena Juacema, pertence ao povo Pataxó, é artesã, comunicadora popular e integra o coletivo Brasil Vermelho.
Comments