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QUILOMBOLAS DE ILHÉUS RETOMAM PARTE DO SEU TERRITÓRIO

Atualizado: 28 de mar. de 2022

QUE SOFRIA DESMATAMENTO ILEGAL, MAS CONTINUAM SOB AMEAÇAS DE PISTOLEIROS.


Paulo Magalhães


Uma história que vem de longe…


Pesquisas históricas comprovam uma grande quantidade de escravizados em Ilhéus entre os séculos XVI e XIX. O local mais conhecido é o Engenho de Santana, onde aconteceu a primeira greve negra do Brasil, em 1789, com reivindicações ligadas ao trabalho, mesmo no regime da escravidão. Mas entre os atuais municípios de Ilhéus, Itabuna e Uruçuca havia a Cafua do Morro do Miriqui. Este quilombo, formado por pessoas negras escravizadas que fugiram de diferentes engenhos de cana-de-açúcar foi alvo de seguidos ataques. Parte dos quilombolas adentraram as matas em busca de um local mais seguro, até que acharam um território favorável para se estabelecer, com mata fechada, próximo a rios, um alto de onde poderiam ver a aproximação de seus inimigos. Batizaram então essa área de Alto Terra Nova. Com isso, as cafuas Morro do Miriqui e Alto Terra Nova tornaram-se dois quilombos amalgamados com localizações de acessos distintos, conectando o Banco da Vitória com o São José.

O ciclo do cacau, que trouxe riqueza e progresso para a região sul da Bahia nas primeiras décadas do século XX, não distribuiu essa riqueza para os antigos escravizados, transformados em trabalhadores rurais sem direitos trabalhistas, civis ou sociais. O coronelismo da região, por muito tempo um território sem lei, concentrou terras através da grilagem e da expulsão e assassinato de pequenos agricultores, quilombolas, indígenas e posseiros. Assim os remanescentes quilombolas afrodescendentes do Morro do Miriqui e Alto Terra Nova foram tendo seus territórios invadidos.

Quilombolas de Ilhéus reivindicam seus direitos. Foto: Marcolino Vinicius.

Novos tempos para a luta quilombola


No início do século XXI acontece um processo de conscientização das comunidades indígenas e quilombolas da região, que passam a ter conhecimento dos seus direitos previstos na Constituição de 1988 e se organizam para conquistá-los. Em 2015 os quilombolas de Ilhéus, sob coordenação do MVAB (Movimento Vantuy Agroecológico no Brasil), passaram a se mobilizar pelo próprio reconhecimento enquanto comunidades remanescentes de quilombo no Morro do Miriqui, Banco da Vitória, e Alto Terra Nova, no distrito de São José. O resultado dessa mobilização veio através do processo nº 01420.101947/2018-96, no qual a Fundação Cultural Palmares, autarquia do Governo Federal, reconhece ambas as comunidades ilheenses como remanescentes quilombolas.


Em defesa da natureza


Há tempos a comunidade quilombola tem denunciado a ação de invasores, que vêm derrubando árvores de madeira de lei e destruindo nascentes. Além dos fazendeiros, a BAMIN (Bahia Mineração) também vem desmatando a mata atlântica de maneira intensa. Os invasores estão retirando ilegalmente espécies como jequitibá, louro, cedro, caraíva e sapucaia, necessárias para a fauna local. Espécies em extinção como mico-leão-dourado, paca, cutia, tatu, corsa, catitu, têm seu habitat ameaçado, sendo atropeladas em fuga na rodovia por conta do desmatamento ilegal.

Os quilombolas de Ilhéus são contra a destruição da mata e dos dendezais. Para sobrevivência própria, a comunidade produz azeite de dendê, beneficiando o povo de Ilhéus com um produto orgânico de qualidade. Entre os quilombolas, há agricultores, extrativistas e pescadores, que garantem sua sustentabilidade em harmonia com o meio ambiente.

Quilombolas durante ação de retomada. Foto: Paulo Magalhães

Comunidade sofre ameaças


Em plena agenda do Novembro Negro 2021, em que se celebra o mês da consciência negra, os Quilombolas do Alto Terra Nova foram ameaçados de morte pelo invasor e suposto proprietário de uma fazenda localizada dentro do território quilombola, na rodovia Ilhéus-Uruçuca. O mesmo afirmou que passaria o trator em cima dos quilombolas e destruiria todas as suas residências. Tais ameaças foram documentadas em certidão de ocorrência registrada na Polícia Federal (191/2021) e em um termo de declaração registrado junto ao INCRA.

No dia 20/03/2022 a comunidade quilombola Alto Terra Nova fez uma retomada de parte do seu território, que o invasor, suposto proprietário, cercou e batizou de Fazenda Terra Nova. Por volta do meio-dia, cerca de 50 quilombolas, entre idosos, mulheres grávidas e crianças, adentraram pacificamente os portões, para conversar com quem lá estava e mostrar os documentos que comprovam ser Território Federal Quilombola. Os quilombolas, que seguravam apenas ferramentas de trabalho, foram recebidos por pistoleiros, que de armas em punho efetuaram disparos. Durante o primeiro disparo uma criança ficou ferida, sendo levada para atendimento médico e exame de corpo e delito.

Há indícios de que entre esses pistoleiros há milicianos foragidos de Minas Gerais, e que há um quarto cheio de armas no local para futuras ações ilegais na região de Ilhéus e Uruçuca. A Polícia Militar foi acionada pelos quilombolas, mas enquanto chegava, um dos pistoleiros se deslocou de moto por outra saída, escondendo as armas ilegais na mata, como relatam testemunhas. Entre o final da noite e a madrugada de 21/03/2022, vieram carros com mais pistoleiros, de armas em punho e na cintura, ameaçando e provocando mulheres e crianças.

Agora esses afrodescendentes estão sob ameaça, e é necessário que os invasores sejam retirados o quanto antes deste território federal, para que os quilombolas tenham sua segurança garantida. Também é necessário que os órgãos competentes, do Governo Federal e Estadual, façam a demarcação, delimitação e titulação das terras, trazendo assim paz para a região.

O espaço retomado pelos quilombolas, no km 14 da Rodovia Ilhéus - Uruçuca (depois da curva da Bamin) não tem energia elétrica, água corrente nem sinal de celular. Neste momento a comunidade precisa de alimentação e itens básicos de higiene e limpeza. Os quilombolas de Ilhéus reivindicam que os governos Municipal, Estadual e Federal tomem as providências necessárias para garantir seus direitos e evitar uma tragédia.

É urgente a presença da Polícia Civil para investigação desses crimes, da Polícia Federal para garantia da ordem e da paz e da Polícia Militar para evitar mais feridos ou mortes durante a noite com outra madrugada de terror. É urgente o acompanhamento por parte da Prefeitura de Ilhéus para garantia de acesso à assistência social e psicológica para essas famílias quilombolas.


Proteger vidas quilombolas é proteger a natureza, o meio ambiente, as águas, a fauna e a flora da Bahia. SOS Quilombolas de Ilhéus! Vidas Quilombolas Importam.



Paulo Magalhães é jornalista e doutor em cultura e sociedade. Contramestre de capoeira angola, membro do Conselho Gestor da Salvaguarda da Capoeira, Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra e Coletivo de Entidades Negras.

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