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NOTA DA CONSULTA POPULAR SOBRE O "NOVO ARCABOUÇO FISCAL" APROVADO PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS



Na noite da última terça-feira (23/05) a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do PLP 93/2023 que trata do chamado "novo arcabouço fiscal". O projeto foi apresentado pelo poder Executivo, na figura do ministro Fernando Haddad (PT-SP) e sofreu alterações sob a relatoria do deputado Claudio Cajado (PP-BA). A aprovação se deu de forma expressiva, com 372 votos favoráveis.

Os únicos partidos a votarem majoritariamente contra a proposta foram PSOL-REDE, NOVO (ambos com 100% de votos contrários) e o PL (que ainda teve 1/3 de seus parlamentares votando a favor). Outros partidos da direita tiveram a maioria de fotos favoráveis. Com exceção de PSOL-REDE, todos os partidos de esquerda e centro-esquerda da base do governo votaram favoravelmente.


O projeto do "novo arcabouço fiscal" decorre da PEC da Transição (EC 126/2022), que determinou a aprovação de uma lei complementar que substituísse o infame Teto dos Gastos (EC 95/2016), aprovado pelo governo Temer. No caso de não aprovação de tal lei, o teto se manteria vigente. Nesse sentido, a apresentação e aprovação de uma nova regra fiscal era necessária.

Além disso, o modelo neoliberal que vigora no país impõe diversas amarras para a definição da política macroeconômica, ameaçando com a desvalorização do câmbio e a fuga de capitais qualquer política fiscal que rompa com os preceitos liberais. A independência do Banco Central, com autonomia para executar uma política monetária de juros altos, como a atual, também contribui para minar a nossa soberania em definir uma política fiscal expansionista.


Entendemos, portanto, que a aprovação do "novo arcabouço fiscal" se insere em um contexto mais amplo. O modelo neoliberal vigente e as condições políticas legadas pelo avanço do neofascismo comprimem as possibilidades de romper diretamente com a ideologia da "austeridade" fiscal. Mais que isso, o fato demonstra a necessidade de se avançar em medidas que nos permitam superar o modelo neoliberal, que nos legou baixo crescimento e alta vulnerabilidade externa ao longo de três décadas.

Não identificamos, contudo, que os governos petistas representem um programa de rompimento com o modelo neoliberal, ainda que existam setores no PT que defendam tal programa. Os governos neodesenvolvimentistas, sob liderança do PT, buscaram atenuar os aspectos mais danosos do neoliberalismo sem romper com tal modelo. Com esse programa, obtiveram muitas conquistas para as classes populares, mas priorizaram na sua política uma fração da classe capitalista, a grande burguesia interna.


A disputa entre tal fração da burguesia brasileira e outra diretamente associada ao imperialismo é que tem ocupado a posição principal na cena política. E os trabalhadores, sem condições de apresentar um programa alternativo, entram de forma subsidiaria na frente neodesenvolvimentista. A frente, que passou por um período de crise desde 2015, tem buscado se rearticular nesse terceiro mandato de Lula.

E, no atual governo, além de setores neodesenvolvimentistas, há ainda setores neoliberais ortodoxos que se aproximaram da candidatura Lula pelas suas contradições com o neofascismo, representado pelo Bolsonarismo. Essa nova frente, ainda mais ampla que a dos primeiros governos petistas, é frágil politicamente e parece indicar que o atual governo terá uma política ainda menos ousada. Nessa conjuntura, apesar da derrota eleitoral do neofascismo, as classes populares seguem na defensiva. Isso significa ser necessário seguir na luta para isolar e dividir o movimento neofascista, bem como consolidar as forças da classe trabalhadora para que se possa apresentar um programa alternativo, que tenha a superação do modelo neoliberal como objetivo.


Ainda que não tenhamos o nível de mobilização popular e a correlação de forças no parlamento necessários para revogar integralmente o Teto de Gastos, o governo abriu mão até mesmo do embate político perante a sociedade. Era possível enviar um projeto de lei mais ousado, que ampliasse as margens para a implementação de políticas econômicas anticíclicas e indicasse um rol de exceções aos limites de crescimento das despesas, permitindo a efetivação das políticas contidas no programa que foi eleito em 2022.

Com isso, eventuais emendas feitas pelo parlamento conservador ao projeto original poderiam ser negociadas com mais espaço, a fim de se obter uma regra fiscal "menos amarrada". Além disso, haveria a oportunidade de explicar para a sociedade as exceções defendidas pelo governo e sua relação com as medidas apresentadas durante a campanha. O pacote de maldades viria da ação parlamentar da oposição da direita neoliberal e neofascista, dando ao governo Lula a oportunidade de denunciar tais setores, demonstrando o quanto a lógica de "austeridade" neoliberal limita as possibilidades de se efetivar um programa voltado aos interesses das classes populares.


Pela dinâmica adotada, evitando qualquer embate, o projeto enviado pelo Executivo já trazia restrições severas à atuação do Estado e na breve tramitação pela Cãmara, dominada pela direita neoliberal e neofascista, tais restrições foram ainda mais agravadas. O governo Lula "comemora" a aprovação desse novo regime fiscal como uma vitória da sua articulação política. Tratou-se, contudo, de uma grande oportunidade perdida.

O "novo arcabouço fiscal", portanto, expressa contradições mais gerais da conjuntura e de fato se limita aos ditames neoliberais e aos interesses dos rentistas que se alimentam dos juros brasileiros, dentro e fora do Brasil. Como resultado, assistiremos à progressiva diminuição da participação do Estado na economia, abrindo novas frentes de acumulação para o grande capital. Isso também significa que o Estado terá ainda menos condições de influenciar no ciclo econômico, tornando o crescimento altamente dependente dos investimentos privados - internos, mas também e principalmente externos - e das exportações. E em contextos de recessão, quando o Estado é chamado a operar uma política anticíclica, o novo regime fiscal se mostrará ainda mais limitado e absolutamente insuficiente para sustentar o crescimento.


Essa aposta no crescimento com menor participação do Estado é muito arriscada, uma vez que os governos petistas só logram êxito em manter a frente neodesenvolvimentista coesa em função do crescimento econômico, que permitia acomodar os interesses contraditórios no seu interior. E, mesmo assim, aos custos de desprivilegiar setores importantes da sociedade como a classe média e o pequeno e médio capital, que viriam a engrossar as fileiras do neofascismo.

A nova regra fiscal aumenta o risco de assistirmos a um período de baixo crescimento que acirrará as contradições no interior da frente governista. Além disso, pode comprometer políticas sociais e econômicas importantes que dependem da ampliação dos gastos públicos. No limite, pode frustrar muitas expectativas daqueles que votaram em Lula com a esperança de assistir a um novo período de crescimento com diminuição da pobreza.


A ameaça neofascista segue presente e há riscos reais de que o "novo arcabouço fiscal" contribua para fortalecer o movimento reacionário. A necessidade de sustentar a frente ampla com setores neoliberais não deve significar assumir o seu programa. Os limites do modelo neoliberal e da conjuntura existem e não devem ser minimizados, mas o maior risco que ronda o governo hoje é perder a base de sustentação, mesmo que tímida, que mantém nas classes populares.

Frente a isso, é fundamental pressionar o governo e o legislativo para que os parâmetros do "novo arcabouço fiscal" sejam ajustados de modo a: ampliar a margem de crescimento das despesas públicas para sustentar a participação do Estado na economia, aumentar a margem para se operar a política anticíclica em períodos de desaceleração, recompor e sustentar os investimentos sociais, e em saúde e educação, recuperar a possibilidade de capitalização das estatais - inclusive financeiras - para que o Estado tenha mais mecanismos para atuar no ciclo econômico.


Tais medidas não rompem com o modelo neoliberal, mas projetam uma trajetória mais alongada de convergência da dívida pública, dando ênfase também ao crescimento econômico como forma de diminuir o peso da dívida. Tal processo depende, ainda, de uma redução dos juros que diminua os gastos financeiros do Estado. Nesse sentido, rever a independência do Banco Central também aparece como um passo fundamental para que o governo tenha de fato a capacidade de definir e operar a política macroeconômica conforme o programa vitorioso nas urnas.


As forças populares têm o desafio de fortalecer sua organização, formação e o trabalho de propaganda ideológica, apoiando as medidas do governo que superem o legado do golpismo e do neofascismo. E, no interior da frente ampla, é fundamental pressionar pelos direitos populares e combater as frações neoliberais. Sem medidas que beneficiem e mobilizem as massas populares, e sem o combate ao neoliberalismo, o discurso e a organização do neofascismo podem se fortalecer.

Direção Nacional da Consulta Popular, 27 de maio de 2023.





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