I
A política brasileira está focada no processo eleitoral e o voto é o calcanhar de Aquiles da direita fascista e da direita tradicional: as intenções de voto em Bolsonaro estão em queda e a direita tradicional sequer possui candidato competitivo. Nesse cenário, a Consulta Popular mobilizará seus e suas militantes para que, juntamente com outras organizações e correntes socialistas, inclusive aquelas que pertencem ao PT, pressionem a candidatura Lula para assumir um programa que seja, ao mesmo tempo, antifascista e antineoliberal.
Do fato de estarmos sob o domínio de um governo fascista, não se deve deduzir, ao contrário do que sugerem alguns analistas e dirigentes de esquerda, que devamos restringir a luta eleitoral à tarefa de vencer o autoritarismo fascista. A luta operária, socialista e comunista contra o fascismo na Europa exigiu, com sucesso, que a criação da Previdência Social fosse incluída no programa político da resistência democrática. Os casos da Inglaterra e da França são emblemáticos a esse respeito. O resultado foi que a luta contra o fascismo não só representou uma vitória da democracia, como também inaugurou o Estado de bem-estar social na Europa Ocidental e Setentrional – a reforma mais ampla e profunda jamais imposta ao capitalismo. No Brasil atual, a exigência de um programa antineoliberal visa, ao incorporar o atendimento das necessidades mais sentidas das massas trabalhadoras, mobilizá-las contra o fascismo e permitir-lhes a melhora de suas condições de trabalho e de vida.
II
A vitória sobre o fascismo não se resume a vencer a eleição de outubro próximo. É necessário impor ao fascismo uma derrota política e moral profunda que debilite ao máximo essa ameaça que pesa sobre a democracia e os trabalhadores brasileiros. Isso exige que o futuro governo se comprometa com um programa democrático de desfasticização do Estado brasileiro e de responsabilização pelos crimes cometidos pelo movimento fascista entre nós. É óbvio que a esfera de competência da Presidência da República não permite que o ocupante do cargo implemente todas as medidas necessárias para o combate ao fascismo, mas a Presidência da República pode e deve comprometer-se com o programa antifascista e colocar o peso de sua autoridade para que as demais instituições do Estado assumam as suas responsabilidades nessa luta.
Alguns pontos essenciais do programa antifascista e que devem ser cobrados da candidatura Lula da Silva são os seguintes:
1. Desmilitarização do Estado:
a) afastamento dos onze mil militares que se aboletaram em cargos públicos civis;
b) implantação da autoridade do poder civil no Ministério da Defesa;
c) desmilitarização do Ministério da Saúde e da Anvisa;
d) restrição da competência da Justiça Militar às atividades de militares e internas das FFAA;
e) extinção de cargos militares ou de posições informais de militares no STF e TSE;
f) fim da tutela militar sobre os sites e as redes sociais vinculados às instituições federais.
2. Dar consequência às acusações levantadas pela CPI da Covid:
a) julgamento dos responsáveis pela protelação da compra de vacinas;
b) julgamento dos responsáveis pela crise do oxigênio em Manaus;
c) pela difusão do uso da cloroquina após a demonstração científica de sua comprovada ineficácia;
d) julgamento dos responsáveis pelas experiências selvagens realizadas em instalações da Prevent Sênior.
3. Reconstrução e democratização da rede de Conselhos Populares extintos pelo Governo Bolsonaro.
4. Reforma democrática da Polícia Militar, esse covil do bolsonarismo.
5. Apuração e julgamento dos crimes cometidos por militantes fascistas contra pessoas e instituições do movimento democrático e popular.
III
O programa antineoliberal deve abrir caminho para superar esse modelo capitalista excludente, predatório e antinacional. Não se trata de uma revolução – não nos encontramos numa crise revolucionária – mas de reformas que iniciem o processo de superação da situação de estagnação e de empobrecimento na qual o Brasil se encontra há décadas.
Alguns pontos para um programa antineoliberal a serem cobrados da candidatura Lula da Silva são os seguintes. A maioria deles, a sua parte mais urgente, consiste em desfazer aquilo que os governos Temer e Bolsonaro fizeram.
1. Política social:
a) a fome que ameaça grande parte dos trabalhadores brasileiros exige medidas de urgência, mas também é necessário colocar em pé um programa mais ambicioso, juridicamente mais seguro e permanente de transferência de renda;
b) a revogação pura e simples da reforma trabalhista do Governo Temer como também dos decretos e portarias que aprofundaram essa reforma no Governo Bolsonaro;
c) reativação de políticas sociais que foram abandonadas.
2. Política econômica:
a) reestatização de empresas de serviço público;
b) reimplantação e ampliação da política de conteúdo local, com exigência de contrapartida de emprego;
c) revogação da autonomia do Banco Central;
d) revogação da Emenda Constitucional 95, dita “emenda do teto de gastos”;
e) restauração do controle da Petrobrás sobre o petróleo do Pré-Sal;
f) nacionalização da política de preço dos combustíveis.
3. Proteção da Floresta Amazônica e das populações locais:
a) recuperação e ampliação dos organismos fiscalizadores;
b) fim da mineração em terras indígenas;
c) combate à exploração ilegal de madeira.
4. Política externa:
a) retomada do processo construção da unidade da América Latina;
b) política externa independente.
IV
A Consulta Popular está ciente de que serão muitas as dificuldades para se definir e aplicar um programa antifascista e antineoliberal como o apresentado acima por intermédio do lulismo. Essa corrente política tende sempre a evitar o conflito, buscar a conciliação, e evita a organização e a mobilização popular. Esmera-se em obter apoio dos partidos fisiológicos e conservadores no Congresso Nacional, mas subestima a importância da organização das massas inclusive em apoio e na defesa de um governo que pretende realizar reformas de conteúdo popular. Contudo, e apesar disso, o lulismo traduz, hoje, a aspiração das massas populares em derrotar o fascismo e melhorar as suas condições de trabalho e de vida. É por isso que a Consulta Popular apoia a candidatura Lula da Silva, do PT, mas apoia criticamente, cobrando, juntamente com outras organizações e correntes socialistas, que Lula e o PT correspondam às expectativas das classes populares.
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