Elias Carlos Arakuã Ete
Certo dia transitava junto aos mestres das ciências no Sul do estado da Bahia, mais precisamente lá em Nhoe’sembé, lugar onde houve o escambo da madeira, a cabotagem da farinha de mandioca, a escravidão do açúcar, o capitalismo do cacau e hoje vive o socialismo tupiniquim. Lugar que mais tarde viria a ser chamado – por diversos motivos – de Capitania de São Jorge dos Ilhéos, se tornando simplesmente para nós, nossa querida e amada Ilhéus.
Nativos nesta região, nosso habitat sempre foi da beira da praia a beira do rio e vice-versa. Juntamente com nossos parentes e amigos, nas pescarias de siris, nas buscas dos caranguejos de andada e ganhamus, nas catas dos cocos, das goiabas, dos araçás e também dos garus, nas praias do sul, onde pegávamos para matar a fome.
Além do banho na lagoa do aeroporto, das carreiras que tomávamos do sargento Valquírio, da aeronáutica, ao passar por baixo dos arames do aeroporto.
Ora, home.
E que tempos bons eram aqueles. Mais tarde, esse gesto passou a se chamar roubo, coisa da modernidade e do próprio capitalismo.
Mas, meu véio, me deixe, viu.
Quando conversando com o preto Abelardo e o caboco Norberto, ambos me contando das suas labutas no cacau, contaram também uma das punições dos tempos antigos, quando do furto de galinhas. Os homens dos brancos pegavam um pau, amarravam duas galinhas em cada ponta e, chicoteando, faziam o faminto sair pela rua gritando “eu roubo galinha”. Moço, que cena deprimente. Para quem fez e pra gente.
Que bom seria se a justiça não tivesse cor e fosse cega.
E não tivesse nem parente nem derente.
E os invasores fossem coerentes.
Deste jeito é que, há muito tempo,
sempre estivemos ligados a este espaço, onde mais tarde, ao avançarmos rumo ao conhecimento, desde dona Almerinda caboca de Olivença, professora das primeiras letras, buscamos avançar na defesa de nossos direitos, como povos indígenas originários. Como dizia seu Vavá: “meu filho, caboco é besta. mas, não é burro”.
Daí, que ao conversar com uma das formadoras sobre um tema para conclusão do curso em História pelo PARFOR na UESC, relatei sobre um trabalho apresentado na disciplina de Sociologia, o qual tinha sido bem avaliado pelo professor, onde falava sobre os novos sujeitos em cena no centro da cidade de Ilhéus. Submetidos às diversas formas de preconceitos, intimidações, discriminação e de silenciamento com que essa sociedade sempre trouxe esses sujeitos, à margem, como se eles não existissem.
Sendo assim, naquele momento já se via tais sujeitos transitando com certa normalidade, quando muitas vezes usaram do silêncio como uma das estratégias de resistência.
Ao externar para a formadora sobre à percepção destes sujeitos, surge o tema para o devido texto, já que ela, a formadora especialista no assunto no Sul da Bahia, me alerta, que estaria falando sobre conceito. A partir daí, surgiu o texto sobre os índios urbanizados, sujeitos que até pouco tempo viviam na invisibilidade.
Depois de muitos anos vivendo na invisibilidade, algum tempo atrás passaram a aparecer usando seus colares, cocares e maracas, vendendo seus artesanatos e exercitando seus rituais, usando seus cachimbos, com suas lanças e bordunas na defesa de seus direitos. Buscando melhoria no atendimento à saúde, da educação inclusive da demarcação de seu território.
Não que eles nunca estivessem por ali, já que há muito tempo este era seu habitat natural, assim dizem nossos cientistas que, até por dever da própria ciência, trabalham os avanços e as mudanças de seu objeto de estudo. Perceberam que esses sujeitos, ao longo da história, sempre estiveram por aqui desbravando novos caminhos sem perder à sua essência, sendo o que sempre foram, estando onde sempre estiveram, sem deixar de serem guerreiros e guerreiras, vencedoras de todas às batalhas. Quando de todas as formas a sociedade majoritária e as suas estruturas fizeram questão de ignora-los, menosprezando-os e humilhando-os.
Por isso que a partir de 1998, com a viagem de dois cabocos de Olivença, Sr. Alício Amaral e Duca Liberato viajando a Brasília em cima de um caminhão – o chamado pau-de-arara – foram reivindicar terra e ferramentas para trabalhar, encontraram com deputados, inclusive o índio deputado Juruna, que segundo Seu Alício perguntou: “e em Olivença tem índio?.
A partir daí começou o ressurgimento da nação Tupinambá de Olivença. Povo que se originou a partir do aldeamento jesuítico Nossa Senhora da escada, lá pelo século XVII, quando ali os jesuítas, pensando na formação da futura nação brasileira, juntaram diversos povos indígenas da região para ensina-los a rezar, ler e escrever, como os botocudos, aimorés, tupiniquim, pataxó, gren. Daí, a dificuldade hoje da própria sociedade no reconhecimento deste povo, já que, antigamente se buscava padronizar um fenótipo para o ser indígena no Brasil. Esse povo ressurge, a bem da verdade, com sua forma própria de ser e estar, da forma que querem ser e são.
Por mais que se ofereçam as benesses da sociedade moderna, esses sujeitos preferem estar em seus habitats naturais com os parentes pescando, caçando e vivendo segundo seu modo de ver e estar no mundo, sem deixar de apresentar sua ciência e sua cultura, buscando tudo que lhes é oferecido do mundo moderno para ampliar e enriquecer no conhecimento para seu povo.
Elias Carlos Arakuã Ete Tupinambá, licenciado em História pela UESC, técnico em Contabilidade, professor indígena na escola CEITO (Colégio Estadual Indígena Tupinambá de Olivença) em Ilhéus BA.
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