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MINHA MÃE - LUIZ GAMA

Atualizado: 3 de abr. de 2023




Minha mãe era mui bela, – Eu me lembro tanto dela De tudo quanto era seu! Tenho em meu peito guardadas Suas palavras sagradas C’os risos que ela me deu.

(Junqueira Freire)




Era mui bela e formosa, Era a mais linda pretinha, Da adusta Líbia rainha, E no Brasil pobre escrava! Oh, que saudades que eu tenho Dos seus mimosos carinhos, Quando c’os tenros filhinhos Ela sorrindo brincava.


Éramos dois – seus cuidados, Sonhos de sua alma bela; Ela a palmeira singela, Na fulva areia nascida. Nos roliços braços de ébano. De amor o fruto apertava, E à nossa boca juntava Um beijo seu, que era a vida.


Quando o prazer entreabria Seus lábios de roxo lírio, Ela fingia o martírio Nas trevas da solidão. Os alvos dentes nevados Da liberdade eram mito, No rosto a dor do aflito, Negra a cor da escravidão.


Os olhos negros, altivos, Dois astros eram luzentes; Eram estrelas cadentes Por corpo humano sustidas. Foram espelhos brilhantes Da nossa vida primeiro, Foram a luz derradeira Das nossas crenças perdidas.


Tão ternas como a saudade No frio chão das campinas, Tão meiga como as boninas Aos raios do sol de abril. No gesto grave e sombrio, Como a vaga que flutua, Plácida a mente – era a Lua Refletindo em céus de anil.


Suave o gênio, qual rosa Ao despontar da alvorada, Quando treme enamorada Ao sopro d’aura fagueira. Brandinha a voz sonorosa, Sentida como a Rolinha, Gemendo triste sozinha, Ao som da aragem faceira.


Escuro e ledo o semblante, De encantos sorria a fronte, – Baça nuvem no horizonte Das ondas surgindo à flor; Tinha o coração de santa, Era seu peito de Arcanjo, Mais pura n’alma que um Anjo, Aos pés de seu Criador.


Se junto à cruz penitente, A Deus orava contrita, Tinha uma prece infinita Como o dobrar do sineiro, As lágrimas que brotavam, Eram pérolas sentidas Dos lindos olhos vertidas Na terra do cativeiro.

1861

(In: SILVA, Júlio Romão da (Org.). Luiz Gama e suas poesias satíricas. 2 ed. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: INL, 1981. p. 201-203.)


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QUINTA DO DOMÍNIO PÚBLICO é um projeto da Assembleia Popular de Ilhéus que busca escritos de autores e autoras que contribuíram na construção de uma consciência de classe no Brasil e no mundo.


Toda quinta-feira em: www.assembleiapopular.com.br

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