Minha mãe era mui bela, – Eu me lembro tanto dela De tudo quanto era seu! Tenho em meu peito guardadas Suas palavras sagradas C’os risos que ela me deu.
(Junqueira Freire)
Era mui bela e formosa, Era a mais linda pretinha, Da adusta Líbia rainha, E no Brasil pobre escrava! Oh, que saudades que eu tenho Dos seus mimosos carinhos, Quando c’os tenros filhinhos Ela sorrindo brincava.
Éramos dois – seus cuidados, Sonhos de sua alma bela; Ela a palmeira singela, Na fulva areia nascida. Nos roliços braços de ébano. De amor o fruto apertava, E à nossa boca juntava Um beijo seu, que era a vida.
Quando o prazer entreabria Seus lábios de roxo lírio, Ela fingia o martírio Nas trevas da solidão. Os alvos dentes nevados Da liberdade eram mito, No rosto a dor do aflito, Negra a cor da escravidão.
Os olhos negros, altivos, Dois astros eram luzentes; Eram estrelas cadentes Por corpo humano sustidas. Foram espelhos brilhantes Da nossa vida primeiro, Foram a luz derradeira Das nossas crenças perdidas.
Tão ternas como a saudade No frio chão das campinas, Tão meiga como as boninas Aos raios do sol de abril. No gesto grave e sombrio, Como a vaga que flutua, Plácida a mente – era a Lua Refletindo em céus de anil.
Suave o gênio, qual rosa Ao despontar da alvorada, Quando treme enamorada Ao sopro d’aura fagueira. Brandinha a voz sonorosa, Sentida como a Rolinha, Gemendo triste sozinha, Ao som da aragem faceira.
Escuro e ledo o semblante, De encantos sorria a fronte, – Baça nuvem no horizonte Das ondas surgindo à flor; Tinha o coração de santa, Era seu peito de Arcanjo, Mais pura n’alma que um Anjo, Aos pés de seu Criador.
Se junto à cruz penitente, A Deus orava contrita, Tinha uma prece infinita Como o dobrar do sineiro, As lágrimas que brotavam, Eram pérolas sentidas Dos lindos olhos vertidas Na terra do cativeiro.
1861
(In: SILVA, Júlio Romão da (Org.). Luiz Gama e suas poesias satíricas. 2 ed. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: INL, 1981. p. 201-203.)
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