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“DESCOBRIMENTO” DE QUÊ? POR UM NOME QUE VALORIZE O PARQUE NACIONAL COMO TERRA TRADICIONAL INDÍGENA

Atualizado: 20 de nov. de 2023


Ingrid Macedo



O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) está organizando um processo de consulta pública para saber o que as pessoas pensam sobre o nome do Parque Nacional do Descobrimento (PND), localizado no município de Prado, no Extremo Sul da Bahia. A proposta busca incentivar uma reflexão sobre a origem, significado e implicações sociais do termo “descobrimento”, para então reunir sugestões de novos nomes. Neste contexto, também é necessário trazer para o debate a história de criação e nomeação do Parque, fato que se deu sem uma consulta prévia às comunidades locais e, mais especificamente, ao povo indígena Pataxó, que ocupa a região há séculos.

Aldeia Tibá. Imagem: Divulgação. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CvkxI9pusBQ/?igshid=MzRlODBiNWFlZA==

Com o propósito de proteger ecossistemas de Mata Atlântica, O PND foi criado em 1999, delimitando uma área pertencente a uma empresa madeireira e alvo do extrativismo intensivo. Aproximadamente 20% do Parque é também parte da Terra Indígena (T.I.) Comexatibá, que ainda aguarda a conclusão do processo de demarcação. A sobreposição das áreas se deve ao fato de que esta porção de bioma do extremo sul baiano é tradicionalmente habitada pelo povo Pataxó. No resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da T.I. Comexatibá, as antropólogas responsáveis afirmam: “as referências ao etnônimo Pataxó no extremo sul da Bahia remontam ao século XVI, mais precisamente ao ano de 1577, quando a presença deste povo na faixa litorânea da região entre os Municípios de Porto Seguro e Prado foi registrada”.


A mudança de nome do PND é uma antiga reivindicação do povo indígena e de movimentos sociais da região, pois a existência de títulos como “Costa do Descobrimento” e “Parque Nacional do Descobrimento” são elementos que contribuem de forma significante para a romantização do período colonial, perpetuando o apagamento histórico da luta e resistência de populações originárias. De fato, o dia 22 de abril de 1500 marca o início da invasão e colonização portuguesa deste território e a denominação “descobrimento do Brasil” tem como objetivo a produção de uma memória coletiva fantasiosa, ditada pelo eurocentrismo (ideologia de centralidade cultural europeia) e que propositalmente desconsidera a presença de populações originárias, empurrando para o esquecimento a violência infligida aos nativos no curso da história de construção deste estado nacional.



A relação entre o ICMbio, autarquia responsável pela gestão das unidades de conservação federais, e as famílias nativas que habitam a área do Parque se deu de forma conflituosa por cerca de 15 anos, caracterizados por uma série de tentativas de reintegração de posse contra a ocupação indígena, que reivindicava o território do qual foram anteriormente expulsos pela empresa madeireira, fazendeiros e empresários de outros setores interessados na terra. O posicionamento da autarquia era orientado pelo fato de que seus dirigentes não reconheciam o território Comexatibá como indígena por não ser homologado, o que em prática contrariava a Constituição, que reconhece o direito originário (preexistente ao Estado) aos territórios tradicionalmente ocupados. Tal reconhecimento independe de formalização ou de atos constitutivos. Por fim, a resolução dos conflitos se deu em 2018, através da assinatura de um termo de compromisso entre o órgão e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), representante das 6 aldeias indígenas que existem no interior do Parque (são estas: Tibá, Pequi, Kaí, Gurita, Monte Dourado e Alegria Nova). No documento, foram estabelecidos entre as duas instituições o compromisso de implementar projetos socioambientais e fomento à gestão participativa, priorizando a conservação dos atributos naturais do Parque e o atendimento às necessidades e direitos indígenas. Em março deste ano, foi assinado um Termo Aditivo para a prorrogação do Termo de Compromisso nº02/2018, garantindo a continuidade da conciliação. Na ocasião, Joenia Wapichana, presidente da Funai, apoiou as reivindicações das comunidades, defendendo a escolha de um nome em Patxohã, língua do povo Pataxó, em substituição ao termo “descobrimento”.


A decisão do ICMbio em ouvir as demandas do movimento indígena e iniciar a consulta pública tem o potencial de incentivar o necessário debate social sobre a ocupação histórica do povo Pataxó na região e o direito originário à cultura e ao território. Essa localidade faz parte do maior bolsão de Mata Atlântica preservada do Nordeste brasileiro e a presença dos povos indígenas e sua luta anticolonial foi fundamental para frear a destruição do bioma frente aos interesses capitalistas. Fazer referência ao povo Pataxó em um novo nome é honrar e valorizar a história do extremo sul baiano, reconhecendo os indígenas como sujeitos ativos na vida regional política, social e cultural e a sua contribuição na preservação do meio ambiente. Esse processo, à sua forma, é também um importante passo em direção à reparação histórica.


Contribua com o movimento: participe da fase online da consulta pública através do formulário. Disponível até às 23h59 do dia 22 de novembro (quarta-feira).

"Cartografia da vida". Ilustração: Uakyrê Braz. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CzrPJCQrKR9/?igshid=MzRlODBiNWFlZA%3D%3D

Caso queira, sugira alguns dos seguintes nomes, coletados entre os nativos da região:

  • Parque Nacional Maturẽbá (do Patxohã: mata grossa - pronúncia: maturembá);

  • P.N. Pindorama (do tupi: terra das palmeiras);

  • P.N. Ĩbá Baixú (do Patxohã: mata bonita - pronúncia: imbá baichú);

  • P.N. Ĩbá Mirawê (do Patxohã: mata sagrada - pronúncia: imbá mirauê);

  • P.N. Aragwá Mirawê (do Patxohã: lugar sagrado - pronúncia: araguá mirauê);

  • P.N. Txag'rú Kuhusí (do Patxohã: lugar nativo - pronúncia: tchágurú currusí);

  • P.N. Txag'rú txóp Ūtxeka'txē (do Patxohã: lugar dos encantados - pronúncia: tchágurú tchópi untcheka tchen);

  • P.N. Hãhãw Mirawê (do Patxohã: terra sagrada - pronúncia: ranrrão mirauê);

  • P.N. Hãhãw ūpú Zabelê (do Patxohã: terra de Zabelê - pronúncia: ranrrão unpú zabelê);

  • P.N. Hãhãw Ūpú Pataxi (do Patxohã: terra de aldeia - pronúncia: ranrrão unpú patachí);

  • P.N. Aragwá Ūpú Ītxenere (do Patxohã: lugar de origem - pronúncia: araguá unpú intchinere).



Ingrid Macedo, de nome indígena Juacema, pertence ao povo Pataxó, é artesã, comunicadora popular e integra o coletivo Brasil Vermelho.



1 Comment


Guest
Nov 23, 2023

Sugiro o nome imbá mirawê também gostaria de propor parque dos originários.... Contemplando assim todos os povos!!!

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