Ingrid Macedo
Em 2022, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) completou 50 anos e, em clima de celebração, deu início às atividades de um Congresso realizado entre os dias 8 e 10 de novembro, no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO).
Órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Cimi foi criado em abril de 1972, durante o oitavo ano da ditadura militar, na esteira de acontecimentos que marcaram mudanças importantes na postura da Igreja Católica com relação aos povos indígenas. Na época, umas das iniciativas mais importantes tomadas pelo Cimi foram as chamadas Assembleias de Chefes e Lideranças Indígenas, iniciadas em 1974, buscando reunir lideranças e autoridades indígenas de diferentes povos, das diferentes regiões do país, o que contribuiu grandemente para a unificação dos povos e o fortalecimento do Movimento Indígena no Brasil.
Em sua primeira Assembleia Geral, de 1975, o Cimi reconheceu, em nome da Igreja Missionária, a corresponsabilidade na espoliação territorial, destruição cultural e negação jurídica às quais, há séculos, os povos indígenas são submetidos. Ao mesmo tempo, em seu Documento Final, comprometeu-se com seis linhas de ação programática que até hoje constam de sua orientação pastoral, são estas:
Terra/Território: Recuperação, demarcação e garantia de “terra apta e suficiente para um crescimento demográfico adequado à sua realidade ecológica e socioeconômica” (SUESS, 1980). O Cimi comprometeu-se a “apoiar decidida e eficazmente, em todos os níveis, o direito que têm os povos indígenas de recuperar e garantir o domínio de sua terra”. Cultura: “Reconhecer, respeitar e apoiar o direito que têm os povos indígenas de viver segundo a sua cultura” e “animar os grupos em processo de desintegração para que revitalizem sua cultura” (CIMI, 1980). O conhecimento da cultura do outro é o pressuposto da possibilidade de qualquer diálogo e comunicação. “A partilha e o anúncio exigem o conhecimento profundo da língua, dos códigos e símbolos da respectiva cultura indígena como meio para que o diálogo se realize” (CIMI, 2015). Autodeterminação: “Reconhecer que, como pessoa e como povo, são e devem ser aceitos como adultos, com voz e responsabilidade, sem tutela nem paternalismo, capazes de construir sua própria história” (CIMI, 1980). A organização das Assembleias de Lideranças Indígenas surgiu deste princípio da autodeterminação, tornando-se as principais formas de sua expressão. Em plena ditadura militar, a primeira dessas Assembleias realizou-se em Diamantino (MT), na Missão Anchieta dos jesuítas, em abril de 1974. Participaram do encontro 16 lideranças indígenas, representando os povos Apiaká, Kayabi, Tapirapé, Rikbaktsa, Irantxe, Paresi, Nambikwara, Xavante e Bororo. A Segunda Assembleia Indígena, em maio de 1975, convocada para a sede da Missão Franciscana do Cururu, no Alto Tapajós, já reuniu 33 líderes, representando 13 diferentes povos indígenas. Entre as reivindicações básicas do encontro constam a demarcação das reservas, a valorização da cultura, a união entre os diferentes povos indígenas e a participação nas decisões da política indigenista do governo. Encarnação/Inculturação: A encarnação foi compreendida como seguimento de Cristo, comprometido com a vida dos povos indígenas, convivendo com eles e “assumindo sua causa, […] superando as formas de etnocentrismo e colonialismo” (SUESS, 1980). “Os missionários não se limitem à adaptação de alguns ritos nas cerimônias, mas se comprometam também a um sério estudo da cultura e da religião indígena”. Conscientização: A Igreja assume uma atitude de autocrítica “sobre sua aliança com os poderosos, optando real e eficazmente pelos oprimidos e marginalizados” (SUESS, 1980). O Cimi assumiu um compromisso com a formação integral dos missionários, porque grande parte deles não recebeu orientação para realizar esse tipo de trabalho. Pastoral Global: A pastoral indigenista se propôs a inserir-se como parte integral da Igreja local, como pastoral específica, contextual, universalmente libertadora e nacionalmente organizada e estruturada. Ao mesmo tempo, a pastoral indigenista do Brasil faz parte “da missão que a Igreja Latino-Americana se sente chamada a cumprir no mundo de hoje”. Ela deve visibilizar “o apelo dos oprimidos e marginalizados, superando nossos individualismos de Igrejas e Congregações” (SUESS, 1980).
Para a comemoração das cinco décadas de trajetória do Cimi, o Congresso estrutura-se em torno dos eixos Memória, Mística, Resistência e Esperança e do lema “50 anos a serviço da vida dos povos indígenas”.
Ao longo dos três dias de encontro, mais de 300 pessoas – entre missionários e missionárias, lideranças indígenas, funcionários do Cimi, colaboradores e apoiadores da causa indígena – estão reunidas não só para festejar, mas também para partilhar a esperança e pensar em estratégias para os próximos anos de caminhada junto aos povos indígenas.
Entre os participantes estão lideranças como Joênia Wapichana (primeira mulher indígena eleita deputada federal), Domingas Apatso Rikbaktsa (TI Erikpatsa), Jacir de Sousa Macuxi (TI Raposa Serra do Sol) e os baianos Rodrigo Mãdy Pataxó (TI Comexatibá), Agnaldo Pataxó Hãhãhãe e Wilson Pataxó Hãhãhãe (ambos da TI Caramuru-Paraguaçu).
Missionários, funcionários e lideranças indígenas partilharam um pouco do histórico de lutas e conquistas dos últimos 50 anos com o público presente.
Imersos em um cenário de forte insegurança causado pela política anti-indígena do atual governo, o consequente aumento das invasões e de violência contra as comunidades, os indígenas evidenciaram a importância do Cimi enquanto grande aliado na luta pelo direito originário ao território e pela autodeterminação dos povos.
Ingrid Macedo, de nome indígena Juacema, pertence ao povo Pataxó, é artesã, comunicadora popular e integra o coletivo Brasil Vermelho.
REFERÊNCIAS:
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. 50 anos a serviço da vida, da diversidade e da esperança. Brasil, 22 abr. 2022. Disponível em: https://cimi.org.br/2022/04/pos-colonial-pos-conciliar-50anos-cimi/. Acesso em: 10 nov. 2022.
SUESS, Paulo. Em defesa dos povos indígenas. Documentos e legislação. São Paulo: Loyola, 1980.
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