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A MENINA QUE DISCURSAVA

Atualizado: 30 de ago. de 2022

Olivir das Piabas


Como todos os que estão fora do barco governamental enebria-me de orgulho e esperanças o movimento da garotada que ocupa escolas país afora; principalmente no Paraná - onde fui aluno universitário e professor de curso técnico. A participação política da juventude é imprescindível para a renovação de quadros para a militância política de contestação à ordem vigente. Ver a garotada botando pra lá nos remete à nossa tenra idade quando, também, militávamos no movimento estudantil. E, mesmo diante dessa luta alvissareira e da empolgação com a empolgação juvenil, não devemos estar cegos politicamente e algumas ponderações se fazem necessárias.

Reprodução: El País

Embutido na sincera solidariedade da militância de "esquerda" a este movimento, existe certa dose de esperteza de algumas organizações e movimentos sociais que pegam carona nestas ocupações tentando minimizar seus erros de estratégia política e esconder as suas fraquezas enquanto organizações disseminadoras de uma atuação política ancorada no oportunismo. Pegam carona nos movimentos para “dar um perdido” na autocrítica e não assumir os erros das teses reformistas justificadoras da colaboração de classes que caracterizam a "esquerda" nacional há 94 anos. Os "surfistas ideológicos" são ponguistas costumeiros.

Não navego na ilusão que o movimento estudantil vá assumir a linha de frente na transformação social, isso nunca ocorreu na história e a sua importância para as organizações reformistas sempre foi a de fornecedor de quadros. Toda luta que desperta, essas organizações escalam os seus “professores revolucionários” para cooptar e abrandar o ímpeto juvenil através de fraseados radicais e práticas reformistas.

A luta estudantil é uma trincheira importante no embate político, porém sem o respaldo de uma movimentação contestatória da classe trabalhadora e a existência de organismos livres e autônomos, terá sempre explosões esporádicas e de fácil enquadramento pela ordem vigente.

Aí, eu me pergunto: se a principal característica dessas ocupações é o seu caráter horizontal, quem será que está fabricando a imagem da garota para lograr hegemonizar o movimento? A menina tem 16 anos, pouco viveu e pouco deve ter lido para ser apresentada como a lucidez de uma nação, seu discurso soou espontâneo e foi certeiro, digno e merecedor de aplausos; mas, ao virar matérias de jornais, capa de revistas nacionais e internacionais e viralizar na internet, não podemos deixar de observar que tem alguém querendo fabricar a imagem da garota, transformá-la em “liderança” do movimento, um símbolo com a intenção de faturar em cima da inquietude juvenil e isso não deve ser uma articulação do seu coletivo colegial, é gente com muito mais influência e inserção nos negócios da política com ramificações no parlamento, na imprensa e nos esgotos da política partidária institucional.

Estão estragando a sua rebeldia.


Texto originalmente publicado em Prosiado - A menina que discursava.


*Os artigos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Assembleia Popular.



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